Os novos ocupantes da Casa Branca são esse casal idoso fofinho e simpático aí da foto, todo mundo já sabe. O marido dá as gaguejadas dele e a esposa tem esse ar classudo e professoral porque olha só, ela tem dois mestrados e um doutorado, dá aula num community college, e vai continuar lecionando mesmo depois da mudança em 20 de janeiro. Por causa do doutorado, ela faz questão de ser chamada de Dra. Biden, inclusive em suas mídias sociais.
Nada disso é novidade para ninguém que acompanha política aqui nos Estados Unidos, mas neste último fim de semana, o Wall Street Journal publicou um artigo questionando o uso do título de doutora pela Jill Biden. Segundo o autor, Joseph Epstein, ela não é médica nem nada, e já que hoje doutorados e PhDs são coisas que qualquer um consegue, e que ela deveria se contentar em aceitar em ser chamada de Senhora Biden e ficar feliz em ser primeira-dama que já está muito bom.
Não sei que chá de cogumelo tomou o editor de Opinião desse jornal para aprovar o artigo, e que ainda deve estar fazendo efeito porque ele continua na defesa do dito-cujo. Gente mais qualificada que eu também está se perguntando a mesma coisa.
Primeiro, o texto é ruim. As ideias não concatenam. O autor reclama de doutorados honorários e PhDs, mas a Jill Biden não tem nenhum dos dois, e sim Doctor of Education, outra coisa. Depois ele diz que “ninguém pode se chamar doutor antes de colocar uma criança no mundo” (tradução literal, podem checar), só que ops, Jill Biden botou uma filha no mundo. Então liberou o dotôra, certo? Depois ainda rola todo um ato-falho sobre ele próprio mal ter bacharelado.
O tom geral do artigo é de uma condescendência pegajosa, tipo “contente-se aí com seu lugar, minha queridinha” que nem combina com a sobriedade costumeira do WSJ.
A reação, claro, veio forte. A mulherada caiu em cima no Twitter ostentando seus doutorados, PhDs, e o que mais fosse, contando casos e mais casos de mesmo com seus títulos e láureas elas tinham que forçar a mão para serem tratadas com o mesmo respeito que seus pares homens. Teve até repórter do próprio WSJ reclamando do artigo sem dó nem pena.
Uma das threads mais legais que vi veio da Carrie Brown, PhD, professora da CUNY, onde fiz meu mestrado. Ela diz que nunca fez questão de ser chamada de Dra. justamente por não ser fã de hierarquia e de como alguns tipos de conhecimento adquirido são dependentes de privilégio. Mas também entende que a formalidade dentro da academia tem seu lugar.
Outro artigo bem bom foi este do The Atlantic, elegante, bacana e cheio de anedotas acadêmicas, que resumidamente diz: “chame as pessoas do que elas quiserem, deixa as pessoas serem felizes”. Tipo filosofia de vida.
E o que Epstein está falando agora que o texto foi mal recebido? Para a CNN, ele disse era um texto de humor, o famoso “era tudo brincadeirinha, vocês politicamente corretos que não entenderam”. Tudo bem, esse senhor já estava com o filme queimado. Mas para o Wall Street Journal tinha que cuidar melhor do que publica, porque até para ser do contra tem que ter qualidade.
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Texto maravilhoso, Nat.
E pensar que hoje de manhã eu estive numa discussão de que o machismo estrutural é um invencionismo barato.
Mas fica aí a dúvida: o mesmo texto ~humorístico~ teria se aplicado a um Dotô Biden? Duvide-o-dó.