(O povo falou e segundo turno da Geórgia ganhou. Mas o ritmo dos fatos foi tal que minha responsabilidade jornalística me obriga a falar da invasão do Capitólio. Geórgia vai entrar como contexto desse evento maior.)
São 21h20 de quarta-feira e eu estou assistindo CNN há umas seis horas seguidas, assistindo o Capitólio ser invadido em tempo real por centenas de terroristas domésticos, uma gente branca louca que acredita nas coisas que o Trump diz, interrompendo a sessão legislativa que ia estabelecer de vez a vitória de Joe Biden.
Os caras invadiram a sede do Legislativo americano como quem entra numa loja de brinquedos. Foi inacreditável. Na verdade, não foi tanto, porque pareceu que eles tiveram, literalmente, a ajuda da polícia. Acha que estou exagerando? Olha isso. E isso. E isso. Ah, e essa matéria aqui mostra que foi quase uma excursão de escola, com gente invadindo os gabinetes dos parlamentares e pegando souvenires aqui e ali. Sim, uma mulher foi baleada e morreu, mas entenda: esse prédio é o coração da política americana, não um shopping center. O nível de segurança lá é altíssimo, como esse povo entrou assim fácil? Para comparar, olha essa foto da Guarda Nacional de DC pronta pro batente ao redor do Lincoln Memorial em junho de 2020 durante um protesto do Black Lives Matter. O Lincoln Memorial nem de longe é um prédio tão importante quanto o Capitólio. E a Guarda Nacional não foi previamente convocada mesmo quando todo mundo sabia que os caras iam tentar invadir, e não podia entrar para ajudar a polícia porque o Trump se recusava a convocar, até que o Pence tomou uma atitude.
Também teve bomba
Antes, duas coisas que falou-se pouco mas que eu acho bem importantes: SOMENTE 52 pessoas foram presas até agora (quase meia noite e segundo o New York Times, ainda tem gente ao redor do Capitólio, apesar do toque de recolher que começou às seis da tarde), duas delas jornalistas do Washington Post. Ou seja, a galera que invadiu o Capitólio provavelmente vai ficar por isso mesmo. Sabe quando isso tudo aconteceria se fosse um protesto do Black Lives Matter? Nunca. O povo não chegaria nem a 100 metros do prédio. A falha de segurança ali foi clara e cheira a mais que simples incompetência, dado que o presidente instigou a invasão horas antes, durante um comício.
Além disso, os prédios dos comitês dos partidos Republicano e Democrata ambos tiveram que ser evacuados porque o Republicano recebeu uma bomba, que foi desativada a tempo, e o Democrata, um pacote suspeito. Duas ameaças de bomba que passaram basicamente batido no meio desse furdunço todo. Ah, e tem isso aqui também:
Idade mental: 3 anos
No fim, tudo foi para nada, porque os congressistas voltaram a trabalhar e lá pela uma e tanto da manhã certificaram a vitória do Biden e da Kamala e já está tudo certo. Dia 20 de janeiro vai ser o dia do despejo do Trump.
Quinta de manhã, e como é que ele fica agora, com duas semanas ainda para governar? Além do comício em que ele praticamente mandou a turba para o Capitólio, ele se encafofou dentro da Casa Branca, fez um vídeo de má vontade pedindo para os terroristas saírem da frente do Capitólio mas não muito, e continuou quieto, reclamando da traição do vice-presidente que se recusou a não certificar a eleição do Biden. No fim das contas, alguém finalmente conseguiu fazer o homem concordar em afirmar que vai fazer uma "transição em ordem" mas não admitir que perdeu a eleição.
Olha, a coisa foi tão grave que ele FINALMENTE tomou block temporário do Twitter ontem e o Facebook agora há pouco anunciou que o baniu de lá e do Instagram. Ainda tem Parler e Gab, mas já é um começo.
Esse comportamento de criança mimada não só está chamando pedidos de impeachment express, como também está renúncia ou evocar a 25ª emenda da Constituição americana, que permite ao vice, em conjunto com outros membros do gabinete, declará-lo inapto ao exercício do cargo. Os prazos dos trâmites são tais que até Trump poder se defender, Biden já vai ser presidente e os código nucleares estarão na mão de um adulto competente de novo.
Geórgia, rapidinho
Na quarta cedinho, a grande notícia política do dia era eleição de senadores da Geórgia. Ela é super importante porque podia garantir a maioria Democrata no Senado para Joe Biden, e a Geórgia era um dos estados que "virou casaca" em novembro. Trump estava tão obcecado com a Geórgia que ligou para o responsável pela eleição pedindo para ele "achar" uns 10 mil votos e "desvirar" o estado em favor dele.
Pois bem, os democratas ganharam lá. Jon Ossoff and Raphael Warnock são os novos senadores, derrubando os dois senadores republicanos titulares. A fixação de Trump na própria eleição já perdida, em vez de ajudar na campanha e segurar o senado republicano, tem sua parcela de culpa - mas a grande vitoriosa é Stacey Abrams, a Rainha dos Espinhos do meu post passado.
Ossoff e Warnock têm predicados incríveis, mas Stacey é A Patroa. A ex-senadora estadual da Geórgia foi candidata à governadora em 2018, e perdeu por muito pouco. Depois disso, fundou uma ONG dedicada a conscientizar as pessoas, especialmente negros e minorias, da importância do voto, já que aqui é facultativo. Só votar, não importa em quem. Foi esse trabalho de formiguinha que rendeu os frutos de hoje.
Pronto, Geórgia ficou super resumido porque isso aqui já está o dobro do tamanho de sempre mas é o que vai ter para hoje.
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Amanhã tem meme de gatinho.
Beijos,
Nat
PS: Vou repetir o óbvio, mas vocês sabem que em Brasília teve gente que viu tudo anotando num caderninho, né?
PPS: Eis aqui o relato de uma repórter do Los Angeles Times que estava no Senado na hora da invasão e conta com detalhes como foi a evacuação e a retomada dos trabalhos horas mais tarde.
Mulher, assistimos a tudo aqui meio em choque, e cientes do que já deve estar planejadíssimo pra 2022. Qualquer seriado de distopia tá perdendo feio pra realidade.