O outro lado: Brasil, chega de chamar qualquer um de doutor?
Toda uma síndrome de pequeno-poder resumida em uma palavra de seis letras
Depois de fazer um post inteiro contando a história da Dra. Jill Biden e falando "deixa as pessoas serem felizes e usarem o título que elas quiserem", vou confessar uma coisa: tenho um BODE IMENSO com a palavra doutor/doutora, especialmente nesse contexto brasileiro em que a gente chama não só médico, mas advogado, engenheiro na obra…
Fora meu amigo médico que chamo de dotô carinhosamente, sempre que tenho que usar o termo em um contexto formal, me vem uma auto-imposta inferioridade em relação ao meu interlocutor que dificilmente se justifica. Se é meu médico ou advogado, porque raios eu devo ainda MAIS respeito a ele do que o fato de estar me consultando com ele por causa do seu conhecimento? Simplesmente lidar com a pessoa de forma educada, chamando de senhor ou senhora, e pagar pelo seu tempo gasto comigo não deveria ser suficiente? TEM QUE SER doutor, quando raramente é o caso deles terem doutorado?
Fui fuçar e tem um verbete inteiro na Wikipedia dedicado ao pronome. Lá ele explica, e outros artigos corroboram, que existe uma tradição meio distorcida de chamar médicos e advogados de doutores que vem de decretos do Brasil Imperial, e que já não se justifica porque os cursos mudaram tanto desde então, e essas profissões nunca exigiram mais que bacharelado para serem exercidas no Brasil.
Lá também tem um um trecho que deixa muito claro aquele outro uso da palavra doutor que tanto me incomoda: o demarcador de privilégio, de hierarquia: "(...) na sociedade brasileira o termo 'doutor' há muito tempo foi usado para deixar clara a hierarquia existente entre os mais pobres e os mais ricos, sendo esses últimos tratados como “doutores” pelos primeiros devido ao simples fato da diferença financeira e social entre eles".
Tenho mais o que dizer sobre médicos e essa coisa de doutores, mas vou deixar para depois. Mas me deu um alívio descobrir essa matéria aqui da BBC Brasil sobre médicos e advogados que fazem questão de NÃO serem chamados de doutor. Se ninguém começar, a tradição nunca muda.
Beijos,
Nat
PS: Ah, sim: quando estou na função repórter ou simplesmente enquanto pessoa educada por avó búlgara, ao vivo chamo de doutor quem quer ser chamado de doutor, acadêmico de professor, todo o resto de senhor e senhora. Isso até ganhar intimidade. Aí depois, eu chamo até de samambaia se assim o ser humano quiser e rego duas vezes por dia se precisar.
Falamos a mesma coisa aqui do elemento “faroeste” de star wars e da saudade que o baby yoda vai deixar. ❤️